Guerra na Ucrânia está esquecida? Entenda como fica o conflito no Leste Europeu após ataque do Hamas a Israel
Em pouco mais de um mês, a guerra na Ucrânia, que já vinha perdendo espaço no noticiário internacional, foi ofuscada pelo conflito no Oriente Médio ente Hamas e Israel. Apesar do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, as sete nações mais industrializadas do planeta) ter declarado nesta semana, durante uma reunião de dois dias no Japão, que apoio à Ucrânia segue firme, pouco tem se falado sobre o combate no Leste Europeu, que está perto de completar dois anos. O chanceler japonês, Yoko Kamikawa, disse que, “mesmo com o aumento das tensões no Oriente Médio, é importante que o G7 esteja unido para enviar uma mensagem clara à comunidade internacional de que o nosso compromisso firme de apoiar a Ucrânia nunca hesitará”.
A situação, contudo, favorece a Rússia e deixa os ucranianos receosos quanto ao que pode acontecer, principalmente porque os Estados Unidos, principal fornecedor de armas para Ucrânia, está apoiando Israel contra o Hamas e, agora, precisa dividir sua atenção e ajuda. A diferença é que Israel tem um dos melhores Exércitos do mundo e já é uma potência militar, enquanto Kiev, sem o apoio do Ocidente, não consegue deter os avanços russos, como tem feito até agora. Após 20 meses de guerra e com a contraofensiva ucraniana tentando avançar na frente de batalha, o presidente Volodymyr Zelensky se reúne com frequência com líderes ocidentais para tentar dissipar o efeito fadiga do conflito. A chefe de diplomacia da Alemanha, Annalena Baerbock, afirmou que os países do G7 trabalham para ajudar a Ucrânia pelo segundo inverno (hemisfério norte, verão no Brasil) consecutivo, ante a previsão de novos ataques russos contra as instalações do setor de energia.
“Para Vladimir Putin, a guerra no Oriente Médio foi uma benção, porque desvia bastante a atenção do conflito na Ucrânia”, aponta Angelo Segrillo, historiador brasileiro especializado em Rússia e União Soviética. “Agora, para a Ucrânia, é ruim em vários sentidos, não só porque tem essa questão de desviar a atenção, mas também o problema do financiamento. Ela vai começar a ‘disputar’ com Israel”, acrescenta o especialista. Isso já respinga no Congresso dos Estados Unidos. “Alguns americanos estão reclamando que estava indo muito dinheiro para a Ucrânia. O Congresso está dividido. Literalmente dividido, porque a Câmara tem maioria dos republicanos, e o Senado tem maioria dos democratas. Eles estão divididos em relação às guerras”, conclui o especialista.
Para além desses problemas que foram citados por Segrillo, Valdir Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, também destaca outro ponto de atenção: o fato de que diminuiu o apelo político e do interesse pela Ucrânia por parte dos países ocidentais. “Existem algumas estimativas de que os países europeus ou os Estados Unidos vão parar de financiar a Ucrânia, mas eu acho muito precipitado para fazer essa previsão”, pondera o professor, lembrando que essa é uma aposta que a Rússia tem feito. Uma aposta arriscada, segundo ele. “Diminuíram os olhares sobre o que está acontecendo na Ucrânia, e a notoriedade internacional que o conflito tinha adquirido no começo foi se perdendo gradualmente ao longo do tempo. Até que as hostilidades em Gaza cessem, o que agora é muito improvável, não vejo os focos das atenções políticas se voltando para a Ucrânia, mas não quer dizer que o financiamento vai se esgotar”, prevê o especialista.
No começo do conflito no Leste Europeu, iniciado em 24 de fevereiro de 2022, muito se falava que a guerra seria relevante e estaria na mídia enquanto os países do Ocidente achassem relevante. Depois disso, ela cairia no “esquecimento”. Para Segrillo, quanto mais demorar, mais há possibilidade de fadiga. “Com tantos problemas no mundo, principalmente econômicos, quanto mais tempo demorar, pior para a Ucrânia.” O professor lembra que, diferentemente do ano passado, a contraofensiva que os ucranianos lançaram em junho deste ano não obteve tanto sucesso, muito porque a Rússia criou uma linha fortificada. “A guerra está em um impasse, a Ucrânia não consegue estabelecer uma contra-ofensiva forte e isso cria mais fadiga. Daqui a pouco, as pessoas vão começar a se questionar, principalmente nos EUA: por que jogaram tanto dinheiro para o Leste Europeu se eles não vão conseguir ganhar?”. Bezerra lembra que, hoje, nenhum dos lados demonstra uma vantagem a ponto de mudar o quadro dramaticamente nas próximas semanas ou meses. “Não vejo nenhum dos dois lado hoje capaz de aplicar uma derrota militar significativa no outro”, destaca. A guerra, segundo ele, tem capacidade de passar do terceiro ano e, com isso, perder ainda mais relevância.
Mesmo em meio a um conflito que já dura mais de um ano, ironicamente o Putin tem se posicionado contra a guerra em Israel e Hamas e pedindo cessar-fogo. Para Bezerra, esse posicionamento do chefe de Estado russo é para não atrair seu país para um confronto adicional. “Tem uma razão políticas por trás. Se olharmos para a região do Oriente Médio, próximo a Israel, você tem dois aliados da Rússia: a Síria e o Irã”, destaca o professor. Se a guerra em Gaza tomar contornos regionais e começar a afetar, sobretudo, o governo de Bashar al-Assad ou o Irã, a Rússia pode se sentir atraída a colaborar ou ajudar esses parceiros internacionais importantes. “O motivo por trás dos pedidos de cessar-fogo não tem caráter humanitário, mas uma razão política. A Rússia não quer se envolver em um novo conflito.”
Fonte: Jovem Pan Read More