Direita lidera eleições de 2023 na América do Sul, e Brasil precisa se impor para manter relações e força no Mercosul
A direita levou a melhor em 2023 nas eleições presidenciais. A Argentina elegeu Javier Milei, Equador, Daniel Noboa e o Paraguai, Santigo Peña. Com essas novas formulações, o Brasil era até esta semana o único país liderado pela esquerda no Mercosul, com exceção da Venezuela, que é uma ditadura. Contudo, o Senado aprovou a adesão da Bolívia, etapa que estava pendente, ratificando seu ingresso definitivo ao bloco regional. “Obrigado aos senadores por concluírem esse processo e parabéns ao presidente @LuchoXBolivia (Luis Arce) e a Bolívia por se juntar a nós no Mercosul”, escreveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu perfil no X (antigo Twitter). O Senado era a última instância do governo que ainda não havia dado sinal verde ao ingresso do país andino no bloco, que, além do Brasil, é formado por Argentina, Paraguai e Uruguai. O projeto agora segue para a promulgação de Lula. “O ingresso da Bolívia já é há muito tempo esperado e dará impulso à integração regional”, disse o senador Chico Rodrigues, relator do projeto. “A entrada definitiva da Bolívia no Mercosul otimizará o comércio e a cooperação com Estado que possui população de mais de 12 milhões de pessoas e produto interno bruto na ordem de US$ 41 bilhões” (cerca de R$ 200,6 bilhões na cotação atual), completou.
O Mercosul foi criado em 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Em 2006, a Venezuela foi aprovada como membro, mas sua participação foi suspensa em 2017 por uma “ruptura da ordem democrática”. O bloco sul-americano realizará sua próxima cúpula de chefes de Estado no dia 7 de dezembro, no Rio de Janeiro. A cúpula será focada, sobretudo, no tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, cujas negociações se intensificaram nas últimas semanas para tentar chegar a um acordo até o final do ano. Desde que Lula chegou ao poder, o governo brasileiro quer fortalecer o grupo novamente e espera a assinatura do acordo comercial com a União Europeia para conquistar sua grande vitória nos últimos anos. O acordo entre os dois blocos trâmita há anos, mas, agora, aparentemente, pode sair do papel e se tornar definitivo. Porém, com as últimas derrotas da esquerda nas eleições (os candidatos deste espectro político perderam os três pleitos neste ano), como fica a posição do Brasil? Para os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan, mesmo com as divergências políticas, o país ainda deve se manter como uma força e ter boas relações com os vizinho, algo que já aconteceu em outros momentos da história. Porém, o problema maior pode ser a complicação para aprovação de alguns projetos.
Caroline Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, destaca que “o Brasil é um país muito importante para ser ignorado ou para ter relações rompidas”. Durante a campanha presidencial, Javier Milei havia dito que, se vencesse a disputa com Sergio Massa, cortaria relações com os brasileiros, porque não queria contato com governos de esquerda, e sairia do Mercosul. Na prática, porém, o discurso foi amenizado e modificado. “Essas diferenças e divergências ideológicas não são impeditivas para que as relações da região ocorram de maneira equilibrada e harmônica”, diz em entrevista ao site da Jovem Pan. A docente lembra que durante o governo de Álvaro Uribe, da Colômbia, que aconteceu durante a primeira gestão de Lula, os dois construíram relações bilaterais muito fortalecidas, mesmo tendo posições ideológicas bem diferentes. “Não vejo essas diferenças como sendo necessariamente grandes desafios para a diplomacia brasileira. O Brasil costuma se sair bem com essa pluralidade de vozes na América Latina”, resume. Pedroso enfatiza que podem haver alguns ruídos durante os anos de governo, mas nada que impeça uma relação. “Temos diplomatas muito capacitados para lidar com essas diferentes posições de governo. O Brasil está muito preparado para lidar com essas divergências”.
O mesmo raciocínio se aplica para a liderança brasileira no Mercosul. A especialista pondera, no entanto, que, com Milei no poder, pode haver mudanças na orientação do bloco. “O Mercosul é um bloco comercial e econômico, que tem como objetivo fomentar o livre comércio, mas é claro que uma posição mais diferenciada dentro do Mercosul, que ainda podemos representar, pode trazer um pouco mais de lentidão dos processos”. Pedroso ressalta, porém, que isso já ocorreu em outros momentos. Flavia Loss, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e a sigla fica (FESPSP) também avalia que o Brasil não vai perder força no grupo pelo fato de a esquerda ser a minoria neste momento. Para ela, o que precisa se fortalecer é o bloco como um todo. “O Mercosul está perdendo força, porque temos uma insatisfação do Uruguai, principalmente, em relação aos objetivos e projetos do bloco. É preciso redefinir alguns objetivos do bloco, atendendo aos pedidos e aos interesses dos membros, pois não dá para ficar em uma idealização do Mercosul. É preciso ver o que dá para se fazer na prática”.
Para a professora, é preciso uma movimentação maior do Brasil no bloco para que ele se fortaleça, justamente por se tratar da maior economia da região e o responsável por sustentar a ideia do grupo. “Basta vermos o acordo do Mercosul na Europa, o peso do Brasil. Mas estamos vendo, agora, que os países querem mais do Mercosul. O que está faltando é um papel de liderança brasileiro para sentar com os nossos sócios e redefinir os objetivos do Mercosul”. Na sexta-feira, 1º, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chefe do governo da Espanha, Pedro Sánchez, concordaram, nos Emirados Árabes, em fazer todo o possível para concluir o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia o mais rápido possível. A situação das negociações entre as partes para a assinatura desse acordo ocupou praticamente toda a reunião que os dois tiveram paralelamente à abertura da cúpula climática COP28, em Dubai. Atualmente, o Brasil está à frente do Mercosul, mas passará a presidência semestral do bloco ao Paraguai na cúpula dos quatro países integrantes (os outros são Argentina e Uruguai) a ser realizada nos próximos dias 6 e 7 no Rio de Janeiro. Já a Espanha preside o Conselho da União Europeia. Desde que assumiu a presidência rotativa do Conselho, Sánchez estabeleceu como um de seus principais objetivos concluir esse acordo, que está sendo negociado há duas décadas. O acordo comercial foi assinado em 2019, mas a negociação de um anexo que certifica a proteção do meio ambiente pelos países latino-americanos está pendente, tendo em vista uma demanda nesse sentido feita por vários países europeus, com a França à frente.
Fonte: Jovem Pan Read More