Tensão entre Venezuela e Guiana coloca em xeque alinhamento do governo brasileiro com Maduro
A tensão entre Venezuela e Guiana, que ficou mais alarmante nos últimos dias, é do interesse do Brasil e coloca em xeque o alinhamento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente brasileiro, com o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Em decorrência das últimas ações, o governo brasileiro reforçou a presença militar na fronteira, com o receio de ser arrastado para o conflito. Todo cuidado é pouco, pois a forma de atuação poderá fortalecer ou acabar com a liderança do país na América do Sul. Apesar de ainda não ter tido um posicionamento enfático sobre a situação, como apontam os especialistas ouvidos pelo portal da Jovem Pan, Lula se colocou à disposição para se tornar um possível mediador. “Uma coisa que não queremos aqui na América do Sul é guerra. Não precisamos de guerra, não precisamos de conflito”, disse o líder brasileiro durante reunião do Mercosul nesta semana. Ele também cobrou um posicionamento de outros países e enfatizou que a região não pode ficar alheia à situação.
Douglerson Santos, professor e mestre de direito internacional, destaca que essa tensão entre os países vizinhos do Brasil vai testar a aliança entre Lula e Maduro. “Qualquer apoio que o governo brasileiro der, ou até mesmo não der, principalmente em caso de intervenção militar, vai contrariar o posicionamento — não só do atual governo, como do Brasil — de buscar soluções pacíficas para controvérsias”, aponta o especialista. Até agora, há um silêncio ruidoso do governo brasileiro, que, na visão de Santos, já deveria ter tido um posicionamento mais enfático. Se não fizer isso, outro país poderá assumir essa função e acabar realmente retirando do Brasil o protagonismo na América do Sul. O fato de o país ter deslocado mais forças militares para a fronteira mostra uma necessidade de proteger a região, mesmo que a chance de uma guerra, neste momento, seja remota.
Rafael Villa, professor titular do Departamento de Ciência Pública da USP, vê esse momento de animosidade entre Venezuela e Guiana como uma boa oportunidade para o Brasil “voltar a desenvolver um papel protetor”. “O Brasil tem a possibilidade de desenvolver uma ativa diplomacia preventiva de conflitos. E esse é um dos melhores momentos, visto que instituições e gerenciamento de conflitos, como, por exemplo, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) se encontram debilitadas e enfraquecidas”, destaca. No passado recente, o governo brasileiro já mostrou essa efetividade, inclusive em mandato do presidente Lula, quando ele ajudou a distender uma crise entre Equador e Colômbia, em 2008, após ação militar do Exército colombiano contra as Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no território equatoriano. “O governo de Lula pode, diante da ausência de instituições regionais, desenvolver um papel muito importante”, opina o venezuelano, que mora no Brasil há anos.
Para Santos, é necessário um posicionamento preciso do governo brasileiro, por duas razões: a questão técnica e a política. “Será testado agora se esse alinhamento é frutífero ou se Maduro não tem nenhum tipo de respeito por esse alinhamento e por questões políticas com o Brasil”, pontua o professor. Além disso, pelo fato de Essequibo, área que está sendo reivindicada pela Venezuela, ser uma região de mata muito densa — para um ataque terrestre, seria necessário passar pelo território brasileiro —, o Brasil é uma peça-chave. Isso provavelmente fará com que o confronto perca força porque, mesmo que Lula e Maduro sejam parceiros, o alinhamento ideológico está limitado a qualquer questão de agressão internacional.
Os venezuelanos até conseguiriam invadir a Guiana por terra sem ter que passar pelo Brasil. Contudo, não é algo vantajoso agora e reforça a necessidade de o Brasil focar nesse conflito. Vai além de o país retomar o papel de protagonista que já teve, mas também está associado ao fato de que esse é um problema com dois vizinhos que podem afetá-lo diretamente. “O Brasil precisa estar mais focado no que acontece nos seus países vizinhos, mesmo com possibilidades remotas de guerra, do que estar gastando tanta energia em acordos de paz em outras regiões do mundo”, aponta Villa. Ele destaca que as iniciativas do Brasil em relação aos conflitos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas são importantes. “Porém, ele [Lula] deveria se atentar mais para seu entorno regional, para os conflitos de seu vizinhos que lhe afetam mais diretamente”.
Fonte: Jovem Pan Read More