Aliados circunstanciais: a relação entre Rússia e Irã
As recentes guerras no Oriente Médio deixaram claro que a cabeça pensante por trás de muitos dos principais grupos terroristas da atualidade, é o Irã. Também não é grande novidade para a comunidade internacional que desde a Revolução Islâmica de 1979, os iranianos têm cada vez mais investido na produção de tecnologias bélicas das mais variadas, sonhando em ter, inclusive, suas próprias armas nucleares. Nesse cenário, onde o antagonismo automático ao Ocidente se tornou a principal diretriz da política externa de Teerã, uma outra nação que recentemente cortou relações com os ocidentais tem se aproximado cada vez mais dos persas.
A Rússia desde sua invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022 se viu em uma posição de grande isolamento mundial, na qual seus principais compradores de commodities energéticas aplicaram as mais duras sanções econômicas, além de seus fornecedores industriais de maior qualidade romperem contratos fundamentais para a sobrevivência de seu complexo industrial armamentista.
Desde aquele momento foi iniciado um movimento por parte do Kremlin para se tornar mais relevante em outras partes do mundo, onde a influência russa, estava um tanto quanto adormecida. Ligações mais frequentes a velhos amigos latino-americanos e africanos e visitas do chanceler Sergei Lavrov, deixaram claro que a estratégia dos russos envolveria reativar certos protocolos da Guerra Fria e criar pontes com nações neutras, insatisfeitas com a postura e política ocidentais durante os últimos 30 anos.
Se no resto do mundo a Rússia ainda se esforça para estabelecer amizades e tornar-se notada, na Ásia, mais especificamente no Oriente Médio, sua presença e política externa moldaram muito dos principais acontecimentos da região pelo último meio século. Apesar do medo de “contaminação” de sua própria população islâmica vendo uma revolução teocrática acontecer nas suas fronteiras, enquanto ainda era parte da União Soviética, os russos adotaram uma postura majoritariamente amigável perante a ditadura islâmica iraniana desde sua fundação.
Mesmo não concordando com as pautas radicais estabelecidas por Teerã, os soviéticos se viram naturalmente atraídos a manter bom diálogo com os aiatolás pelo simples fato de ambos terem naquele momento um inimigo em comum, os Estados Unidos. No que dizia a respeito a Israel, todavia, a postura soviética, e em seguida russa, era muito diferente àquela adotada pelo Irã. Embora tenha sempre apoiado a solução de dois estados e o estabelecimento de uma nação palestina de maneira oficial, os russos também foram muito próximos a Israel, já que a história das duas nações não se desconecta de forma tão fácil.
Seja pelo antissemitismo na União Soviética, seja por escolhas da própria população judaica da URSS e da Federação Russa, muitos judeus asquenazes com ligação às terras eslávicas do leste europeu imigraram para Israel e hoje a língua russa é uma das mais faladas do país, sendo presente no cotidiano de 15% dos israelenses.
Essa conexão histórica forte com o estado de Israel em muitos momentos afastou os russos de aliados importantes no mundo islâmico que propunham a eliminação completa do estado judeu, mas pelas contradições eternamente existentes na geopolítica, vemos que essa relação dicotômica e pendular dos russos com a questão israelo-palestina e agora também israelo-iraniana, começa mais uma vez a se movimentar para o outro lado.
O Kremlin condenou de forma veemente os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas em 07 de outubro de 2023, mas ao mesmo tempo também condenou a resposta israelense o governo de Netanyahu pela intensidade de seus bombardeios em Gaza. Nas Nações Unidas dentro do Conselho de Segurança, a diplomacia russa propôs resoluções de cessar-fogo para o conflito, sendo vetadas pelos americanos, mas também utilizando-se do veto quando a proposta partia da diplomacia estadunidense.
Quando o conflito se expandiu para o Líbano e o Irã se envolveu de maneira explícita e direta, o silêncio desde a Praça Vermelha até Jerusalém revelou que nesse momento o pêndulo dessa relação está mais próximo dos interesses iranianos e árabes, mas desta vez, pela necessidade russa em manter-se vitoriosa na sua própria guerra. Desde o começo da expansão da guerra da Ucrânia em 2022, os drones kamikazes iranianos têm sido fundamentais para que a Rússia continue seus ataques à infraestrutura militar e civil do país vizinho, além de outros armamentos secundários que viabilizam a continuidade da guerra nesse cenário de sanções que afetam diretamente a indústria bélica russa.
Nesta sexta-feira, o presidente Vladmir Putin se reunirá com seu homólogo iraniano, Masoud Pazeshkian no Turcomenistão durante a realização de um fórum político e econômico na Ásia Central. Esse será o primeiro encontro entre os presidentes desde o início da invasão israelense no Líbano e da morte do ex-líder do Hezbollah Hassan Nasrallah.
Um dos assessores do presidente russo já deixou claro que as reuniões bilaterais entre Putin e Pazeshkian tratará também das questões relacionadas ao Oriente Médio, e portanto, será algo extremamente importante para sabermos como os russos se colocarão perante esse novo desafio de sua política externa. As possibilidades são inúmeras, mas o que fica evidente é que o importante para o presidente russo é a vitória no leste europeu e ele fará o necessário para garantir a continuação da ajuda militar iraniana, mesmo que isso signifique que o pêndulo que move a política externa russa nessa questão, permaneça mais tempo de um lado do que teoricamente deveria.
Fonte: Jovem Pan Read More